Reprodução: Em quase metade dos casos de infertilidade, a dificuldade de não ter filhos é culpa do homem

Publicado 31 de outubro de 2010 por Equipe Fertility Medical Group. Atualizado 01:13.

Em geral, o casal já chega arrasado quando entra numa clínica especializada para iniciar um tratamento contra a infertilidade. Antes de procurar ajuda médica, a maioria passou anos em tentativas infrutíferas de gravidez. Poucos sabem que o primeiro contato com o médico dessa área marca uma nova fase de dificuldades e grande carga de estresse. A expectativa é alta e o tratamento exige paciência e dedicação. O tempo que separa a primeira consulta do resultado do exame de gravidez, que pode vir positivo ou negativo, dura cerca de dois meses. Nesse período, acontecem várias idas ao médico, baterias de exames e, por fim, o procedimento para tentar reverter o quadro. Alguns casais podem levar anos fazendo tentativas e lidando com uma série de problemas, como o custo alto dos tratamentos e o sentimento de culpa que costuma ator mentar o parceiro infértil. Ao procurar uma clínica especializada, boa parte das pessoas não têm a menor ideia do que vão enfrentar, afirma o urologista Jorge Hallack, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Elas acham que vão sair do lugar com um filho num toque de mágica.
Segundo as estimativas dos especialistas, o homem é responsável pelo problema da infertilidade em 40% dos casos (as mulheres têm culpa em outros 40% e, nos 20% restantes, ambos são responsáveis). No lado masculino, a principal causa é a varicocele. Também conhecida por varizes nos testículos, a doença aumenta a temperatura do saco escrotal, afetando a produção de espermatozóides. Uma cirurgia corrige o problema em mais da metade dos casos. Quando a situação é mais grave, os médicos recorrem à reprodução assistida. A chance de sucesso dos tratamentos é de 30% por tentativa com a técnica que garante melhores resultados, o ICSI. Trata-se de uma fertilização in vitro sofisticada. Após a coleta do sêmen, o embriologista seleciona com a ajuda de um supermicroscópio um único espermatozóide e o injeta dentro do óvulo. O preço é salgado: 15.000 reais por tentativa. Independentemente do fato de serem culpados ou não pela infertilidade, os homens participam hoje muito mais dos tratamentos e cobram resultados, afirma o ginecologista Eduardo Motta, diretor da clínica Huntington, em São Paulo. Antigamente, mulher acompanhada era exceção. Eu não podia falar em ‘casal infértil’, porque o homem se ofendia. Tive vontade de chorar quando o médico disse que eu era o culpado.
O empresário paulistano Fernando Benatti, 32 anos, ficou transtornado quando descobriu em meados de 2005 que a mulher, Karina, não engravidava por culpa dele. Quando o médico falou, deu aquela vontade de chorar. Segurei porque ele disse que dava para tentar reverter a situação, lembra. Depois que a primeira fertilização in vitro não deu certo, veio o período mais barra-pesada do tratamento. O empresário entrou em crise e chegou a perguntar ao médico se era menos homem por causa disso. Na época, temeu também pelo fim do casamento. Ficava doido com o fato de que ela poderia passar a vida inteira sem ser mãe por minha causa, diz. O resultado do exame de gravidez veio positivo na segunda fertilização, realizada dois anos após o início do tratamento. Benatti e Karina evitaram criar expectativa e esconderam a n otícia de todos os amigos e familiares até os três meses. Rafael nasceu no tempo certo e com a cara do pai – hoje o menino tem 2 anos. Quando dá certo, você esquece todo o sufoco que passou, afirma Benatti.
Gastei mais de 100 000 reais para realizar o sonho de ser pai. O engenheiro paulistano José Carlos Ribeiro, 41 anos, organiza seus gastos em planilhas. Fez uma para controlar as etapas da organização do casamento e outra para as despesas com a festa. É daqueles sujeitos que guardam dinheiro desde o primeiro salário. A primeira vez na vida que teve de lidar com um gasto inesperado e fora de controle foi quando soube em 2004 que só conseguiria ser pai com a ajuda de uma clínica especializada. Na época, a mulher dele, Ana Paula, tinha problemas para engravidar por conta de uma endometriose, uma das principais causas de infertilidade feminina. Num processo desencadeado pela doença, surgem quistos que se alojam nos ovários e impedem a gravidez. Cinco anos e oito fertilizações depois, hoje ela está grávida de cinco meses de um menino. O engenheiro acredita ter gasto mais de 100 000 reais no tratamento. Antes de descobrir o problema, Ribeiro acumulava uma poupança para abrir um negócio próprio. Os planos foram adiados pelos próximos cinco anos. Nem penso nisso. Prefiro realizar o sonho de ser pai, afirma.
O empresário Cláudio Coelho, 35 anos, que vive em Cotia, na Grande São Paulo, tinha tanta vontade de começar uma família que fez exames antes de casar para ter certeza de que era capaz de ser pai. Uma semana antes de embarcar para a lua de mel, em junho de 2002, chegaram os resultados dos testes. Foi um baque: ele era estéril. Na volta da viagem, iniciou um tratamento que teve momentos muito dolorosos. Numa determinada consulta, um enfermeiro aplicou uma agulha de cerca de 3 centímetros nos testículos do empresário para tentar retirar espermatozóides. Não tomei anestesia e quase desmaiei de dor na clínica, diz o empresário, que ainda passou por outra sessão do tipo (dessa vez, porém, com a região devidamente anestesiada por uma injeção de xilocaína). Poucos espermatozoides foram conseguidos na coleta, o que de ixava margem de menos de 10% para o sucesso da inseminação artificial. O casal acabou dando sorte. Simone engravidou e teve um menino, que hoje tem 6 anos e recebeu o nome do pai. Foi tamanho o sofrimento que, sem saber o resultado, já havia decidido que seria a última vez que passaria por aquilo, lembra o empresário. Se a Simone não engravidasse, teríamos um filho com o sêmen de um doador desconhecido. Transar virou uma obrigação e o romantismo foi para o espaço.
Embora os especialistas já tenham aposentado há décadas a ideia de que os casais com problemas de fertilidade devem tentar fazer sexo seguindo a tabelinha, de modo a aumentar as chances de gravidez, muitos ainda insistem com a estratégia. Em alguns casos, vão ainda mais longe, chegando ao cúmulo de marcar hora para transar ou definir uma posição que, acreditam, vai facilitar a fecundação. Isso é tudo folclore, afirma o urologista Edson Borges, da clínica Fertility , em São Paulo. Além da ineficácia do método, casal com hora marcada para transar começa a colocar em risco a relação. O bancário paulistano Eduardo, 39 anos, que prefere ficar no anonimato, passou pelo problema em 2007, qu ando ele e a mulher começaram a fazer tratamento de fertilização numa clínica. Eles seguiram à risca as recomendações médicas, mas resolveram também, por conta própria, criar um ritual em casa para reforçar as chances de sucesso. Em alguns períodos, transavam todos os dias, mesmo sem vontade. Foi um fiasco. Sabe aquele dia em que você trabalhou demais e só quer dormir? Não dava para fazer isso. Existia o compromisso de transar, como se fosse tomar um remédio, diz o bancário. Aos poucos, o desejo e o romantismo entre nós foi para o espaço. A crise do casal na cama só foi resolvida com a chegada de dois meninos, gêmeos, em agosto deste ano. Hoje, nossa única dificuldade é encontrar um tempo para namorar entre o choro dos bebês, brinca o bancário. O médico dizia: são raríssimos os casos de gêmeos. Tive três!
Na década de 1990, os casos de nascimento de trigêmeos começaram a se multiplicar no país por conta dos tratamentos de fertilidade. Era comum transferir na época até cinco embriões para o útero, de modo a garantir a sobrevivência de pelo menos um deles. Hoje em dia, se coloca no máximo três embriões. A chance de todos vingarem é menor que 10%. O engenheiro paulistano Gerson Engelmann, 42 anos, foi um desses pais felizardos. Quando estávamos iniciando o tratamento, em 2008, lembro do médico falando que era quase impossível termos trigêmeos, diz. Quando minha mulher fez o ultrassom e eu contei os três pontinhos na tela, virei para ele e disse: ‘Errou, não é, doutor?’, recorda o engenheiro, dando uma gargalhada. Engelmann sabia na época que o dinheiro guardado por anos na poupança acabariam no lixo c om as fraldas, mas não entrou em pânico. Em vez disso, começou a preparar o sobrado em São Caetano no Sul para receber a prole (os gêmeos são todos meninos e se chamam Rodrigo, Guilherme e Felipe). A reforma concretizou o milagre da compactação. O escritório foi transformado em quarto de brincar, onde os meninos passam a maior parte do dia com duas babás. E o mesmo ambiente que seria ocupado pelo primeiro filho acomodou mais dois berços. Em agosto, a família se mudou para um apartamento maior. Penso todos os dias: se a gente não tivesse arriscado o tratamento, qual dos três moleques não estaria entre nós agora?, diz Engelmann.

Como lidar melhor com o problema

  1. Pare de pensar que a dificuldade acontece apenas com você. Dois em dez casais são inférteis. Em geral, as pessoas evitam comentaro assunto.
  2. Entenda que ter filhos é uma das possibilidades na vida de um casal. Colocá-la como único objetivo só aumenta o estresse da situação.
  3. Casal com hora marcada para transar terá problemas. Namore porque é gostoso, sem se preocupar com posições ou tabelinha. Duas relações por semana são mais do que o suficiente para engravidar.
  4. Demonstre para a sua mulher que você também fica chateado com o problema. O discurso do está tudo bem, uma hora dá certo pode ser confundido com uma atitude de descaso.
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