A proposta da Medicina Reprodutiva é estudar e promover aspectos ligados à saúde, identificar, prevenir e combater os fatores de infertilidade, diagnosticar as causas e tratar o indivíduo ou o casal que sofre com a infertilidade. Logicamente, o objetivo final é que o processo reprodutivo se desenvolva até obtermos um bebê saudável, utilizando-se desde as técnicas mais simples, até as mais complexas, quando necessário.
É esperado que sejam utilizados os gametas próprios do casal, para se garantir a hereditariedade de cada indivíduo. O resultado final nem sempre é a cura da causa, porém o desejado bebê pode advir com o uso das técnicas adequadas, mesmo sendo necessário repeti-las mais de uma vez. Em última análise, cabe a Medicina Reprodutiva propor técnicas de aproximação dos gametas, que facilitem a fecundação, o transporte e a nidação do embrião, assistir o seu desenvolvimento e acompanhar os resultados finais do processo reprodutivo.
O tratamento da infertilidade consiste em vários níveis de cuidados médicos, assim como em outras áreas da medicina. O ginecologista-obstetra, o urologista ou o especialista em medicina reprodutiva iniciará a investigação da história reprodutiva do casal, particularmente interessado nos problemas de infertilidade. Essa avaliação incluirá a história clínica, exames físicos e laboratoriais. Em casos específicos podem ser indicados exames complementares.
O casal pode iniciar uma investigação com seu próprio médico, mas diante do diagnóstico de infertilidade, o mesmo pode encaminhá-lo para um especialista em medicina reprodutiva. Esse profissional é um ginecologista ou urologista com dois anos ou mais de capacitação nos campos de infertilidade e endocrinologia.
O especialista oferece sua experiência em áreas como a microcirurgia e a indução da ovulação para Técnicas de Reprodução Assistida (TRA) de baixa complexidade, como coito programado e inseminação intrauterina (IIU), ou de alta complexidade como a Fertilização In Vitro (FIV), Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoides (ICSI), entre outras técnicas. Assim, entendem-se como TRA as técnicas médicas que auxiliam no processo reprodutivo.
Nem todos os casais necessitam de tratamentos com Técnicas de Reprodução Assistida, porém vale frisar que o índice de êxito com essas técnicas tem melhorado de forma acelerada, desde que estes procedimentos foram adotados no final dos anos 70.
Os tratamentos para infertilidade devem ser indicados pelo especialista de acordo com cada caso. Antes de se iniciar qualquer procedimento deve-se: confirmar a presença das trompas na mulher através da Histerossalpingografia ou Laparoscopia; ter a análise seminal completa do homem; e obter sorologia dos últimos seis meses para o casal, incluindo tipo sanguíneo, exames hormonais e cariótipo (análise dos cromossomos em células do sangue) se necessário.
No caso de fator masculino, são poucas as causas específicas conhecidas (Hipogonadismo Hipogonadotrófico, hiperprolactinemia, infecções e distúrbios ejaculatórios). Nas alterações seminais, o tratamento clínico-medicamentoso (hormônios, vitaminas e etc.) não demonstrou resultados consistentes. A manipulação laboratorial do sêmen ainda é a forma mais eficiente de tratar as alterações seminais, associando-a ou não à indução ovulatória da mulher.
No fator feminino, condições como hiperprolactinemia, infecções como cervicites e endometrites, alterações imunológicas, sobrepeso e outras, também o tratamento medicamentoso tem fundamental aplicação. A estimulação (ou indução) ovariana da ovulação, no entanto, é uma importante ferramenta para a correção de disfunções ovulatórias (cujo exemplo mais conhecido é a Síndrome dos Ovários Micropolicísticos) visando também aumentar a oferta de gametas femininos para a fertilização. Acaba sendo utilizada em praticamente todos os tratamentos de Reprodução Assistida, inclusive para os casais com fator masculino como única causa, na tentativa de potencializar as chances de gestação, tanto nas técnicas de Baixa como de Alta complexidade.
No fator masculino cabem cirurgias para correção das anomalias anatômicas congênitas ou adquiridas do sistema reprodutor e no tratamento da varicocele. Para o homem vasectomizado, a reversão da vasectomia continua sendo a primeira opção terapêutica, excetuando-se os casos onde está associado um problema feminino grave ou naqueles casais onde a mulher tem mais de 39 anos.
No fator feminino, também se usam cirurgias para a correção de anomalias anatômicas da vagina, útero, tubas, endometriose, tratamento de miomas e pólipos, e excepcionalmente em alguns casos de Síndrome dos Ovários Micropolicísticos resistentes à indução de ovulação, sendo a via laparoscópica a melhor opção, pois segue os preceitos da técnica microcirúrgica. A endometriose acaba sendo a patologia com maior indicação cirúrgica, tanto para a confirmação diagnóstica como para o tratamento e direcionamento prognóstico, porém, o preceito de não agressão ao tecido ovariano é fundamental para a preservação do futuro reprodutivo da mulher. A reversão de laqueadura tubaria (pela via tradicional ou por laparoscopia) tem indicação em pacientes abaixo dos 36 anos e sem fatores de infertilidade associados no casal.
São assim denominadas a Relação Sexual (ou Coito) Programada e a Inseminação Artificial Intrauterina. Nos dois procedimentos, a mulher é submetida à estimulação ovariana sob monitorização ultrassonográfica do crescimento folicular para se predizer o momento da ovulação, respeitando-se sempre os limites de segurança. No Coito Programado, o casal é orientado a ter relação no período fértil, desde que não haja fator masculino, cervical ou canalicular (cavidade uterina e tubas) associado.
Na Inseminação Artificial, o sêmen é processado artificialmente no Laboratório de Sêmen, preparado e depositado pelo médico através de um cateter na cavidade uterina no momento da ovulação. Está indicada nos casos de fator masculino leve, fator cervical, endometriose leve, na infertilidade Sem Causa Aparente (ISCA), na falha do Coito Programado, ou para o uso de sêmen congelado ou de doador. Pode ser necessário mais que uma inseminação por ciclo, para se garantir a fecundação. Nestas duas técnicas, o intuito é o de se oferecer chances semelhantes às de um casal normal que tem relação no período fértil, ou seja, em torno de 20%. A Inseminação Artificial é um procedimento simples e não requer qualquer tipo de anestesia.
A técnicas de alta complexidade, também denominadas Técnicas de Reprodução Assistida (TRA), são realizadas em laboratório, com preparo do sêmen e dos óvulos, portanto “in vitro”. A obtenção dos espermatozoides pode ser realizada por ejaculação espontânea, ou através de procedimentos cirúrgicos (extração testicular ou epididimária), sob anestesia. O preparo e manipulação dos gametas têm variações de acordo com a forma de fecundação utilizada no laboratório:
Indicada nas falhas de inseminações, endometriose grave, Síndrome dos Ovários Policísticos, fator tubário, fator masculino, doação de óvulos, ISCA de longa data, além de outras causas. Após a obtenção, seleção e preparo dos óvulos e espermatozoides, ambos são colocados numa placa no Laboratório para que haja a fertilização espontaneamente. A seguir, os óvulos fertilizados são acompanhados em seu desenvolvimento, sendo transferidos após 2 a 5 dias para a cavidade uterina, através de cateter específico. O número de pré-embriões transferidos varia de acordo com o caso, podendo ser de 1 a 4.
Indicadas na falha de FIV-ET clássica, fator masculino grave com a utilização de poucos espermatozoides do ejaculado ou obtidos por procedimentos cirúrgicos, fator imunológico seminal, além de outras causas. Consiste na injeção de um único espermatozoide diretamente no interior do óvulo, através de técnica de micromanipulação dos gametas. Os óvulos serão fertilizados e, após acompanhamento e seleção, os pré-embriões serão transferidos como na FIV-ET. Cada vez mais utilizado como primeira opção de técnica de alta complexidade, devido ao grande potencial de fecundação dos óvulos, independentemente da condição seminal ou da qualidade dos óvulos.
Atualmente, já é possível oferecer a criopreservação para pré-embriões que tenham boa qualidade e não foram transferidos no ciclo em que foram gerados (por exemplo, em caso de número excessivo de pré-embriões) ou devido a condições inadequadas da mulher naquele momento (endométrio não receptivo, Síndrome de Hiperestimulação Ovariana etc.). Nestas situações, os pré-embriões congelados podem permanecer armazenados para uso futuro, permitindo que cada um possa, depois de descongelado, ser transferidos em outro ciclo com preparo adequado da cavidade uterina. Não há, neste caso, necessidade de estimulação ovariana novamente e os pré-embriões podem ser descongelados em vários ciclos, dependendo do número e de seu reaproveitamento. Com boas técnicas, as chances são semelhantes às dos pré-embriões frescos.
Opção adotada, com consentimento e por interesse de casais, em casos nos quais a idade ou outras condições da mulher não permitam a obtenção de óvulos viáveis para a fertilização. As doadoras são mulheres jovens, triadas para que não haja risco de transmissão de doenças contagiosas ou alterações genéticas, e sob sigilo absoluto para ambas e entre si. Os óvulos fertilizados com sêmen do marido da receptora serão transferidos para seu útero, dando as mesmas chances equivalentes àquelas dos ciclos de TRA de mulheres jovens. As doadoras são selecionadas respeitando as características físicas, semelhança racial e sanguínea da receptora.
Indicada para casais em que ambos não podem utilizar seus próprios gametas. A doação foi decidida previamente por outros casais que têm bons embriões congelados e que por vários motivos desistiram de utilizá-los. Assim, estando disponíveis, poderão atender aos interessados que preencham as normas e características biológicas de recepção, mantendo-se o sigilo de origem e destino dos pré-embriões.
Utilização do útero de outra mulher para receber os pré-embriões gerados por FIV ou ICSI, com gametas dos pais biológicos por ausência ou disfunção grave do útero, ou ainda condições que coloquem em risco a vida da mãe biológica. Podem ser receptoras as parentes próximas de até 2° grau, como: irmã, prima, mãe, tia ou cunhada, ou qualquer mulher, após autorização do Conselho Regional de Medicina.
Técnica em que os pré-embriões que atingem mais que 6 células podem ser submetidos a retirada de uma das células (blastômero), após abertura da membrana (zona pelúcida), sendo seu material cromossômico avaliado por técnicas especiais para detecção de alterações responsáveis por doenças hereditárias ou cromossômicas, como por exemplo, a Síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21). Nesta técnica, os pré-embriões afetados diagnosticados não são transferidos, evitando-se o risco do desenvolvimento de fetos portadores destas alterações genéticas. Já os não portadores de tais anomalias podem ser transferidos dando chances de implantação e desenvolvimento de fetos normais ao casal. Também é diagnosticado simultaneamente o sexo cromossômico do pré-embrião. São indicações para tal procedimento as falhas repetidas de implantação em ciclos de FIV, idade materna avançada e histórico de doenças genéticas familiares específicas.