ZIKA VÍRUS – Uma visão crítica da imprensa

Publicado 7 de março de 2016 por Equipe Fertility Medical Group. Atualizado 00:49.

O ZIKA vírus (ZIKV), inicialmente isolado a partir de macacos na floresta ZIKA em Uganda em 1947, é transmitido por espécies de mosquitos Aedes. Após a primeira infecção em humanos, casos esporádicos foram relatados no Sudeste Asiático e África. Em 2007, o vírus foi responsável por um surto na Micronésia e mais recentemente, em 2013 e 2014, por grandes epidemias na Polinésia Francesa, Nova Caledônia, Ilhas Cook e Ilha de Páscoa.
Em 2015 houve um aumento expressivo na infecção por ZIKV nas Américas, sendo o Brasil, o país mais afetado com estimativas preliminares de 440.000 a 1,3 milhões de casos até dezembro de 2015.
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O quadro clínico clássico de infecção ZIKV se assemelha ao da dengue e Chikungunya, manifestando-se por febre, dor de cabeça, dores em articulações e músculos e erupções na pele. Embora a doença seja auto-limitante, casos de manifestações neurológicas foram descritos na Polinésia Francesa e Brasil. Além disso, relatórios recentes do Ministério da Saúde do Brasil sugerem que casos de bebês nascidos com microcefalia aumentaram significantemente na região nordeste do país, o que indica uma possível associação entre a infecção por ZIKV durante a gestação e o aparecimento da malformação fetal.
A pergunta crucial que atormenta a vida de milhares de mulheres hoje no Brasil é: “ZIKV causa microcefalia?” E a resposta mais sensata que se pode dar neste momento de crise é: “Talvez”.
Pesquisadores do Corpo Responsável pela Monitorização de Defeitos ao Nascimento (CRMDN) na América Latina têm questionado o aparente aumento na incidência dos casos de crianças brasileiras nascidas com microcefalia. Para eles, a partir dos dados disponíveis, é impossível estabelecer a verdadeira dimensão do surto e o aumento na incidência de microcefalia está provavelmente superestimado, o que bate com dados do governo brasileiro.
Segundo o último boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, 4.783 casos suspeitos de microcefalia foram registrados no país desde meados de 2015 até 30 de janeiro de 2016. Um número assustador, considerando que a média registrada anteriormente não chegava a 200 casos confirmados por ano. Mas há duas perguntas importantes que precisam ser respondidas sobre isso: (i) Quantos desses 4.783 casos suspeitos são casos verdadeiros de microcefalia? (ii) Qual é a confiabilidade das estatísticas históricas de microcefalia no Brasil?
Dos 4.783 casos suspeitos notificados, 709 foram descartados, 3.670 estão sob investigação e 404 foram confirmados como casos reais de microcefalia, e/ou outras alterações do sistema nervoso central, relacionados a infecções virais ou bacterianas.
A prevalência média histórica de microcefalia no Brasil é de cerca de 2 casos por 10.000 nascimentos. Pesquisadores calculam que o número máximo de casos que teriam sido esperados no norte do estado de Pernambuco em 2015 seria cerca de 45. No entanto, Pernambuco relatou 26 vezes esse número no ano passado. Ainda que o ZIKV esteja causando microcefalia, estes números são demasiadamente elevados para serem reais.
O biólogo Fernando Reinach faz uma consideração importante em sua coluna publicada no jornal
a2 Estado de São Paulo: “Nos Estados Unidos são reportados 25 mil casos de microcefalia por ano; o que representa 0,6% da população de bebês nascidos anualmente naquele país. Se essa mesma proporção for aplicada ao número de bebês nascidos no Brasil (cerca de 3 milhões por ano), deveríamos ter algo em torno de 19 mil crianças nascidas com microcefalia anualmente no país. De duas, uma: Ou a estatística americana está inflada ou a brasileira está subestimada. Não que a ocorrência deveria ser a mesma nos dois países (certamente não é), mas trata-se de uma diferença extremamente grande. Um dos lados está exagerando, para mais ou para menos, e o mais provável é que os números históricos de microcefalia no Brasil estejam abaixo da realidade”.
Em relação aos critérios para o diagnóstico da microcefalia, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (CECD) também chamou a atenção para possíveis erros de diagnóstico e relatou: “Espera-se que muitos dos casos suspeitos sejam reclassificados e descartados”.
Dos 404 casos confirmados de bebês nascidos com microcefalia, apenas 17 (ou 0,04%) foram comprovadamente infectados pelo vírus ZIKV — mas atenção: sem excluir a possibilidade de a mãe ter tido outras infecções, como sífilis ou citomegalovírus, que também podem ser responsáveis pela má-formação. Quando o Ministério da Saúde fala em casos confirmados “com relação ao ZIKV”, está dizendo que a presença do vírus foi confirmada no organismo da criança que nasceu com microcefalia; não que o vírus foi confirmado como a causa da microcefalia.
Ou seja, dentro daquilo que já foi investigado, a maioria dos casos suspeitos de microcefalia não é microcefalia; e dentre aqueles que são casos verdadeiros, apenas uma minoria pode ter relação com o ZIKV. Por isso a Organização Mundial da Saúde, apesar de ter declarado um estado de emergência global, ainda reluta em estabelecer uma relação direta entre a microcefalia e o ZIKV.
Ao longo das últimas semanas, a força de convicção das afirmações a favor da relação causal entre ZIKV e microcefalia cresceu exponencialmente, a despeito da ausência de evidências reais. São inúmeras as reportagens impressas e televisivas.
A imprensa fala em um crescimento grande do número de registros de microcefalia, de 30 casos para 1.200 casos em 3 meses. As grávidas entram em pânico quando se fala em 1.200 casos. Porém, se dividirmos 1.200 pelo número médio de nascidos-vivos em um período de 3 meses (em torno de 600.000), chegamos a um risco de 0,19% de uma criança nascer com microcefalia nestes últimos meses, dada todas as possíveis causas, não apenas ZIKV. Se considerarmos o cenário otimista de que metade destes casos decorre de ZIKV, diremos que 0,095% é o risco de microcefalia por ZIKV. Isto justifica pânico?
Segundo dados epidemiológicos o risco de infeção por citomegalovírus é de 2,6%, por toxoplasmose de 1,6%, por sífilis de 0,5% e de herpes 0,2%, só para falar alguns. E 40-50% dos fetos afetados por estas infecções apresentam sequelas.
Por que só agora recomendamos não engravidar?
Enfim, até o momento, tivemos acesso a apenas relatos de coexistência do ZIKV e microcefalia publicados pela imprensa. Ainda não dispomos de publicações em revistas científicas, aquelas que seguem um rigor na descrição dos métodos e resultados da pesquisa.
Tais artigos surgirão e como todo estudo, deverão passar pelo crivo de diferentes pesquisadores para que possam ser publicados. Enquanto isso, grávidas devem evitar se expor a qualquer tipo de doença infecciosa e outros agentes sabidamente teratogênicos como sempre fizeram. Devem também evitar um demasiado envolvimento com recomendações dramáticas contra ZIKV. E devem estar cientes de que não há razão probabilística para que o pânico roube a tranquilidade de suas gestações.

REFERÊNCIAS

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  6. Calvet, G.A., Filippis, A.M., Mendonca, M.C., Sequeira, P.C., Siqueira, A.M., Veloso, V.G., Nogueira, R.M. and Brasil, P. (2016). “First detection of autochthonous ZIKV virus transmission in a HIV-infected patient in Rio de Janeiro, Brazil.” Journal of clinical virology : the official publication of the Pan American Society for Clinical Virology 74: 1-3.
  7. http://medicinabaseadaemevidencias.blogspot.com.br/
  8. http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/zika-e-microcefalia-uma-relacao-complicada/
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