A formação de embriões a partir do material genético de duas mulheres e um homem

Publicado 10 de abril de 2013 por Equipe Fertility Medical Group. Atualizado 00:59.

Referência mundial nos estudos sobre embriologia, a Inglaterra estuda a possibilidade de aprovar uma das mais fascinantes e inovadoras (controversas, sem dúvida) técnicas de reprodução humana: a formação de um embrião a partir do material genético de duas mulheres e um homem. O Human Fertilisation and Embryology Authority (HFEA), órgão responsável pelas normas inglesas sobre fertilização humana, já deu o aval para a prática. Com o nome de transferência de DNA mitocondrial, o procedimento tem por objetivo o controle de doenças genéticas transmitidas por herança materna. Entre elas, alguns tipos de doenças musculares, cegueira, epilepsia e retardo mental. Tais distúrbios acometem uma a cada 6000 pessoas e estão associados a defeitos no DNA mitocondrial. A ideia é, durante a fertilização in vitro, substituir o DNA mitocondrial doente da mãe biológica pelo saudável da doadora.
Localizado no citoplasma celular, o DNA mitocondrial representa 0,02% dos genes de um ser humano e está envolvido exclusivamente na produção de energia celular – sem a qual não há vida. O DNA mitocondrial da mãe e o do pai nunca se misturam durante a concepção. Aqui um parêntese: os espermatozoides também possuem esse tipo de material genético, mas ele é eliminado no momento da fecundação, por proteínas fabricadas pelo óvulo. Por isso, o DNA mitocondrial é sempre herdado da mãe. Os 99,98% restantes de nossa genética estão associados ao DNA nuclear. Resultado da combinação dos genes da mãe e do pai, é ele que determina a cor de nossos olhos, a textura de nosso cabelo, a nossa estatura, se temos ou não propensão para engordar… Ou seja, um bebê concebido a partir de um óvulo que teve seu DNA mitocondrial modificado não terá as características físicas da doadora – e sim as da mamãe e do papai.
Como sempre ocorre com a imensa maioria das iniciativas na área da reprodução humana, o transplante de DNA mitocondrial envolve questões éticas delicadíssimas. Uma delas é a impossibilidade de prever a segurança do procedimento em longo prazo – a não ser testando-o em seres humanos. Ainda se desconhecem os efeitos que possam surgir, ao longo da vida, da interação de DNAs de pessoas diferentes – no caso, a mãe e a doadora. Isso porque o DNA nuclear e o DNA mitocondrial produzem proteínas que interagem durante o tempo todo para o bom funcionamento das células. Parte das proteínas produzidas pelo DNA mitocondrial só exerce sua função a contento ao se misturar com as proteínas do DNA nuclear. E vice-versa. Há outra questão a ser discutida. Poderiam surgir novas doenças dessa interação?
Se aprovado, o transplante de DNA mitocondrial será o primeiro procedimento de manipulação genética das células germinativas (óvulo e espermatozoide) adotado legalmente como tratamento médico nas clínicas de reprodução assistida. A autorização desse tipo de manipulação representa um grande avanço para evitar a transmissão de doenças de origem genética. No entanto, pode, teoricamente, abrir caminho para experimentos perigosos, como os que permeiam a eugenia.
A retirada do DNA de um óvulo é um procedimento delicado. A técnica ganhou segurança e eficácia sobretudo nos últimos dois anos, graças ao desenvolvimento de microscópios de última geração, com softwares refinados, capazes de rastrear com grande exatidão estruturas minúsculas sem danificá-Ias no momento de sua extração. Até agora, o transplante de DNA mitocondrial utilizado em estudos clínicos só era realizado a partir de um embrião – cujo 0,5 milímetro de diâmetro é pelo menos 30% maior do que o tamanho de um óvulo. O resultado da técnica mais antiga era, consequentemente, menos seguro: cerca de 2% do DNA mitocondrial doente costuma ser transferido junto, o que aumenta a possibilidade de o problema matemo ser transferido para o bebê. No caso da extração no óvulo, apenas 0,3% do DNA mitocondrial é transplantado inadvertidamente.
A transferência de DNA foi desenvolvida nos anos 90 pelo pesquisador holandês Jacques Cohen, em sua clínica no estado americano de Nova Jersey. Cohen usou o procedimento em cerca de trinta crianças. Uma delas tem autismo. Não se sabe exatamente se a origem da doença está associada à técnica utilizada. Mas esse tipo de estudo foi proibido nos Estados Unidos. Os desafios são imensos, mas a avenida aberta é extraordinária.

Novas regras no Brasil

A reprodução assistida brasileira é desprovida de uma legislação específica – ao contrário do que ocorre em países que são referência no assunto, como Inglaterra, França e EUA. A lei que chega mais próximo do assunto é a de biossegurança, editada em 2005 com o objetivo de regulamentar a pesquisa com células-tronco embrionárias. A regulamentação dessa área da saúde é feita por meio de resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM). As normas não têm pOder legal, mas o médico que não as seguir é submetido a sanções que vão de advertência à cassação do registro. Até hoje, haviam sido editadas duas reso. luções na área. A mais recente era de 2010. O CFM acaba de criar a terceira, com mudanças relevantes.
Uma das alterações mais decisivas trata do descarte de embriões não aproveitados pelas clínicas de medicina reprodutiva. Estima-se que haja 25000 embriões excedentes de tratamentos de fertilização in vitro no Brasil, estocados em 170 centros de reprodução humana. Cerca de 30% deles não são mais utilizados pelos casais. Pela lei de biossegurança, no entanto, eles não podem ser jogados fora. Podem, no máximo, ser usados em pesquisas clínicas – e, mesmo assim, com uma série de restrições, diz Edson Borges, diretor da Clínica Fertility, em São Paulo . A nova resolução autoriza o médico a descartar qualquer embrião congelado por mais de cinco anos, sempre com o consentimento dos pais. Outra mudança da nova resolução do CFM é sobre a idade da mulher que se submete às técnicas de reprodução assistida. O limite passa a ser de 50 anos, a idade média da menopausa. Não havia restrições até então. O CFM também contemplou os homossexuais, que passam a ter todos os direitos dos casais heterossexuais. A nova resolução do CFM passa a valer a partir de sua publicação no Diário Oficial, prevista para ocorrer nas próximas semanas.

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