Epigenética


 

O que é e como funciona?

 

O conceito de epigenética surgiu para explicar eventos que não podiam ser explicados apenas pela genética tradicional. A epigenética é como um "controlador" que altera a forma como os genes são "ligados" ou "desligados" sem mudar a sequência de DNA. Essas mudanças podem afetar muitos processos no corpo, influenciando a saúde e o funcionamento do organismo. [1].

As características podem ser herdadas por mecanismos que não dependem apenas dos genes. Alterações epigenéticas mudam o jeito como os genes são usados, ou seja, são expressos [2]. O processo epigenético é dinâmico e é ele que permite a formação de diferentes tipos de células no organismo. Esses processos são sensíveis a influências externas, como estresse, temperatura, dieta, entre outros. Se o organismo precisa se adaptar a uma variação de temperatura, os marcadores epigenéticos podem reorganizar as células, ativando ou desativando certos genes para realizar essa adaptação.

Diferentes características observadas em gêmeos monozigóticos ou animais clonados são exemplos de como a epigenética pode ser manifestar. Os perfis epigenéticos são como uma ponte entre o ambiente e as características observadas nos indivíduos. Tanto os gêmeos quanto os clones são indivíduos que mesmo tendo o mesmo DNA, podem ter diferenças físicas devido a mudanças na sua epigenética.

Epigenética e estilo de vida

 

Hábitos como tabagismo, exercícios físicos, estresse ou dieta podem afetar a expressão dos genes ao longo do tempo. Estudos indicam que diferenças relativamente pequenas nos padrões epigenéticos podem ter um grande impacto nas características dos individuo e essas características podem aparecer apenas após bastante tempo [3].

Modelos animais mostram como a dieta pode afetar a expressão das características físicas. Grupos de animais de laboratório que receberam diferentes tipos de dieta, apresentaram cores diferentes de pelagem, mostrando como um fator ambiental, como a dieta, pode interagir com o DNA de um animal para mudar sua aparência física.

A epigenética é altamente sensível a uma variedade de fatores ambientais, especialmente na primeira infância. A ansiedade materna durante a gravidez, por exemplo, é um desafio ambiental comum para o feto, causando alterações após o nascimento [4]. Além disso, diversos estudos mostraram que a dieta materna pode produzir diferentes características e aumentar ou diminuir as chances de desenvolvimento certas doenças [5].

 

Estudos da “Fome Holandesa”, que ocorreu na Holanda durante o inverno de 1944, mostraram que indivíduos cujas mães foram expostas à fome pouco antes da gestação e durante o primeiro trimestre da gravidez apresentam um aumento do risco de obesidade e doenças cardiovasculares na idade adulta, enquanto indivíduos cujas mães foram expostas nas fases posteriores da gestação mostraram um aumento da incidência de resistência à insulina e hipertensão mais tarde na vida [6].

Curiosamente, vários estudos recentes em animais mostraram que a dieta do pai também pode influenciar o risco de doenças futuras nos filhos. Descendentes de machos alimentados com uma dieta pobre em proteínas desde o desmame até a maturidade sexual apresentaram um aumento na expressão de muitos genes envolvidos na produção de colesterol no fígado, enquanto a dieta rica em gordura do pai induz aumento de peso corporal e sensibilidade à insulina em descendentes do sexo feminino. [6, 7].

A epigenética e a Reprodução Humana Assistida 

 

O estilo de vida pode afetar não só a nossa saúde, mas também a saúde das gerações futuras. É fato que a maneira como agimos e nos alimentamos pode causar mudanças que podem ser transmitidas para os nossos filhos e até mesmo para os nossos netos [8], levantando questões a respeito dos efeitos epigenéticos no ambiente uterino.

Será que a vida intrauterina teria tanta influência assim para o desenvolvimento dos fetos?

De fato, já está mais do que provado pela ciência que existe uma relação importante entre o ambiente, durante períodos críticos da vida, como a vida intraútero e a saúde do bebê na vida posterior. Diante disso, podemos entender que sim, os hábitos da mãe, biológica ou não, durante o período gestacional pode exercer influência, por meio de reprogramação epigenética, nas características e na saúde do bebê.

Em casos de doação de óvulos e embriões, a herança genética dos descendentes é inegável, porém conforme descrito anteriormente, enquanto por meio da genética a herança biológica acontece pela transferência direta de informações do DNA, por meio da epigenética, diferentes processos que marcam e modificam o DNA afetam como as informações genéticas são usadas por aquele indivíduo.

Sendo assim, a epigenética pode ser vista como um novo paradigma na forma como entendemos o parentesco biológico, porque nos faz pensar que a herança genética não é tão previsível como se pensava antes.

A epigenética mudou a forma como entendemos a ligação entre pais e filhos, baseando-se mais na biologia do que apenas na genética. Isso significa que, no caso da doação de óvulos e embriões, a epigenética pode ser compreendida como algo capaz de estabelecer um vínculo de parentesco tão forte quanto o “vínculo de sangue”, permitindo que os pais se sintam mais conectados com seu filho [9].

 

Referências

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Fraga, M. F. et al. Epigenetic differences arise during the lifetime of monozygotic twins. Proc. Natl Acad. Sci. 102, 10604–10609 (2005)
Xu Jiang He, et al. Making a queen: an epigenetic analysis of the robustness of the honeybee (A pis mellifera ) queen developmental pathway. Molecular EcologyVolume 26, Issue 6. 2016
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Robertson, K. D. DNA methylation and human disease. Nature Rev. Genet. 6, 597–610 (2005)
Zhang, L., Q. Lu, and C. Chang, Epigenetics in health and disease. Epigenetics in allergy and autoimmunity, 2020: p. 3-55.
Jiménez-Chillarón, J.C., et al., The role of nutrition on epigenetic modifications and their implications on health. Biochimie, 2012. 94(11): p. 2242-63.
Fraga, M.F., et al., Epigenetic differences arise during the lifetime of monozygotic twins. Proc Natl Acad Sci U S A, 2005. 102(30): p. 10604-9.
Cao-Lei, L., et al., Epigenetic modifications associated with maternal anxiety during pregnancy and children’s behavioral measures. Cells, 2021. 10(9): p. 2421.
Lillycrop, K.A. and G.C. Burdge, Maternal diet as a modifier of offspring epigenetics. J Dev Orig Health Dis, 2015. 6(2): p. 88-95.
Roseboom, T., S. de Rooij, and R. Painter, The Dutch famine and its long-term consequences for adult health. Early Hum Dev, 2006. 82(8): p. 485-91.
Bertram, C.E. and M.A. Hanson, Animal models and programming of the metabolic syndrome. Br Med Bull, 2001. 60: p. 103-21.
Rafie, A. and A. Sepideh, Nutrigenomics Reveals the Hidden Problem of the World Today. World J Nutr Food Sci, 2020. 1(1): p. 1004.
Payne, J.G., Grammars of kinship: Biological motherhood and assisted reproduction in the age of epigenetics. Signs: Journal of Women in Culture and Society, 2016. 41(3): p. 483-506.

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