Criopreservação de Tecido Ovariano

Publicado 17 de dezembro de 2013 por Equipe Fertility Medical Group. Atualizado 00:57.

A evolução e melhoria dos resultados de tratamento de pacientes jovens com câncer, com consequente aumento das taxas de sobrevida, abriu uma perspectiva para a possibilidade de um planejamento reprodutivo para estas pessoas, inicialmente relegado a um segundo plano em virtude do foco na recuperação e cura da doença. Estima-se que em 2010, uma em cada 250 pessoas em idade adulta será um sobrevivente de câncer na infância (Blatt, 1999).
No entanto, o tratamento envolvendo muitas vezes cirurgias radicais, quimioterapia e radioterapia agressiva traz em grande parte dos casos, como consequência, uma infertilidade definitiva devido ao comprometimento gonadal irreversível, tanto para homens, como para mulheres. O uso de drogas gonadotóxicas, como os agentes alquilantes (ciclofosfamida, tioteca, clorambucil, busulfan) e outros com diferentes graus de citotoxicidade (cisplatina, bleomicina, 5-fluoracil e metotrexate), e a irradiação pélvica ou de corpo inteiro (como em caso de transplante de medula óssea) promovem falência gonadal total ou parcial, e este fato está diretamente relacionado ao tipo, tempo de exposição e dose da droga e/ou irradiação. No caso da gônada feminina, a destruição folicular e consequente falência reprodutiva e hormonal é também influenciada pela idade da mulher na época do tratamento. O risco de falência ovariana prematura (FOP) aumenta em 4 vezes após tratamento quimioterápico em adolescentes e em 27 vezes em pacientes entre 21 e 25 anos (Larsen et al., 2003). A associação de quimioterápicos e radioterapia pélvica pode levar a FOP em até 100% dos casos.
Não só pacientes com patologias malignas estão sujeitas à perda da função reprodutiva definitiva após tratamento com drogas gonadotóxicas. Também algumas doenças benignas hematológicas (anemia aplástica, talassemia major) e doenças autoimunes resistentes a imunossupressão podem merecer tratamento como transplante de medula óssea, quando a associação de radio e quimioterapia agressivos são necessários e decisivos na perda da função gonadal.
Enquanto que para casos de câncer no homem o congelamento seminal em bancos de sêmen visando a preservação da fertilidade futura é prática bem estabelecida, quando em idade pós puberal, para as mulheres a única estratégia aceita pelas sociedades e comitês especializados em medicina reprodutiva até então, é o congelamento de embriões após ciclo de indução de ovulação para Fertilização in Vitro (FIV). Porém, este procedimento demanda tempo muitas vezes não aceitável devido ao adiamento da terapêutica específica ao câncer, além de promover níveis estrogênicos também não recomendáveis para alguns tipos de tumores estrogênio dependentes. É também uma estratégia possível apenas para mulheres adultas com parceiro definido ou que aceitam sêmen de doador. Atualmente, mudanças nos protocolos de congelamento permitiu que muitas clínicas passassem a oferecer o congelamento de oócitos por vitrificação para estes casos onde não temos parceiro definido, com resultados equivalentes ao congelamento de embriões em termos de sucesso.
Porém, quando falamos de câncer em pacientes em idade pré-puberal, a única estratégia possível é a criopreservação de tecido ovariano prévio ao tratamento oncológico, para transplante autólogo futuro. Também, pacientes no menacme que necessitam iniciar a quimioterapia imediatamente e não podem passar pelo estímulo ovariano, têm como única opção o congelamento de tecido ovariano.
Existe, no entanto, o questionamento quanto a possibilidade de retransplante de células malignas à paciente na eventualidade de comprometimento microscópico do ovário pelo tumor, o que pode ocorrer na dependência do tipo de neoplasia em questão. A análise anatomopatológica de parte do tecido extraído deve ser realizada sempre, minimizando assim este risco.
A criopreservação de tecido ovariano tem sido realizada através da extração laparoscópica de parte da córtex ovariana, a qual é fragmentada em finas fatias e congelada segundo diferentes protocolos de criopreservação. Avanços no desenvolvimento de melhores protocolos de criopreservação, que visam menor agressão criogênica, vêm promovendo maior sobrevivência do patrimônio folicular do tecido a ser transplantado após o descongelamento. O objetivo desta estratégia é transplantar o tecido cortical ovariano na região pélvica, em geral em janela peritonial ou ovariana criada (transplante ortotópico) ou em uma região heterotópica, como o subcutâneo do antebraço ou de região abdominal, assim que a paciente for considerada curada do ponto de vista oncológico.
Outro fator de perda folicular determinante é a isquemia que ocorre após o descongelamento e durante o transplante do tecido ovariano, até que o processo de neovascularização se estabeleça e promova a reperfusão do tecido transplantado. Esta perda folicular é estimada em 50-65% da população original em estudos inicias (Baird et al., 1999; Nisolle et al., 2000) e pode ser determinante na perpetuação e função do transplante. Portanto, a técnica e o local do reimplante são decisivos para a manutenção da função ovariana do tecido transplantado. Alguns estudos demonstraram melhor reperfusão tecidual quando o transplante é realizado sobre região com tecido de granulação ativo e com grande capacidade angiogênica (Israely et al., 2006).
Na literatura, várias publicações demostram atividade hormonal, através da diminuição dos níveis de FSH e elevação dos níveis estrogênicos, assim como desenvolvimento folicular ao ultrassom, em transplantes de tecido ovariano após criopreservação. Os sinais de função gonadal se manifestam em geral após 4- 6 meses após o transplante, e trabalhos demonstram persistência desta atividade até 3-4 anos após.
Em 2003, se deu a primeira gestação espontânea descrita na literatura, após transplante por laparoscopia de fragmentos de tecido ovariano descongelados, em janela peritonial realizada em uma paciente com antecedente de linfoma de Hodking tratado com quimioterapia e radioterapia 6 anos antes, cujo tecido havia sido extraído e criopreservado previamente ao tratamento oncológico (Donnez et al., 2004). A gestação ocorreu 11 meses após o transplante, porém evidência de função gonadal (desenvolvimento folicular e níveis estrogênicos elevados) já foi percebida entre 4 e 5 meses após o procedimento. Após 4 anos de acompanhamento pós parto, a paciente ainda apresentava ciclos menstruais, com níveis de FSH flutuantes e elevados. O primeiro relato de gestação bem sucedida, pós punção folicular e ICSI, se deu em 2005, em paciente com transplante ortotópico em janela ovariana de paciente submetida a tratamento prévio de linfoma não Hodking. Desde então, vários outros relatos vêm sendo publicados, com ênfase inclusive no último congresso do ESHRE, em junho de 2009.
Experimentalmente em animais, tem sido realizada também a criopreservação de ovário inteiro após preparo de pedículo vascular, para posterior reanastomeose deste pedículo. No entanto, a perfusão com crioprotetor, de maneira a atingir toda a população folicular ainda é o grande desafio neste tipo de estratégia.
Como se pode ver, abre-se uma promissora janela de esperança para preservação da fertilidade para este grupo específico de pacientes, principalmente com o grande avanço das estratégias de criopreservação que se observa nos últimos anos. Questões éticas devem ser discutidas antes que este procedimento seja oferecido rotineiramente.

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